Sempre que eu decido escrever sobre alguma ideia, demoro escolhendo por onde começar. Dessa vez, optei por, literalmente começar pelo começo. Hoje, 23 de março, ainda em quarentena devido à atual pandemia de COVID-19, me deparei com um post no Instagram de uma marca local sobre seu posicionamento político em relação à atuação do governo federal frente à doença que se alastra em nossa nação. Não nego que tive imensa surpresa ao descobrir que algumas pessoas reclamaram no post, dizendo que marca alguma deve se posicionar politicamente. Eis o estopim. Se na rotina normal não admito que falem tal absurdo, imaginem no ócio fértil de uma quarentena.
O motivo da minha indignação, a você que talvez não tenha estudado marketing, é o beabá da coisa. Estamos na era do Marketing 4.0, segundo definição de Kotler - nosso Papa do Marketing - Kartajaya e Setiawan. Mas como chegamos até aqui? A partir do Marketing1.0, claro. Este era, então, centrado exclusivamente no produto, ainda do período da revolução industrial. Esse era o Marketing, por exemplo, de Henry Ford, que afirmava que “o carro pode ser de qualquer cor, desde que seja preto”. O objetivo mercadológico era levar produtos funcionais pelo menor custo ao maior número de pessoas, e estas tinham somente necessidades físicas que as levavam a comprar os tais produtos. Passam os anos e assim surge a era da informação. Junto dela, vemos o nascimento do Marketing 2.0, que precisa lidar com consumidores bem informados e capazes de comparar as marcas concorrentes, com preferências variadas. Enxerga-se a necessidade de segmentação do mercado e compreende-se que, agora, o valor do produto passa a ser definido pelo cliente, que se beneficia tendo suas necessidades e desejos atendidas, apesar de ainda ser aplicada uma abordagem de comunicação em que os consumidores são passivos.
O Marketing 2.0 não durou muito. Foi condenado pela massificação do acesso à internet, da nova onda de tecnologia que trouxe ao mundo o Marketing 3.0, centrado não mais no consumidor, mas no ser humano, com mente, coração e espírito, e a necessidade de as marcas criarem produtos e serviços com o propósito de refletir valores humanos. Aqui, o consumidor manda. Ele não mais tem a opinião de amigos e familiares na hora da decisão de compra, mas também a de milhares de pessoas que já consumiram daquela marca e publicam suas opiniões na internet. E, se algo der errado, ele também se utiliza dessa ferramenta para ter voz e questionar a empresa, contando ainda com a defesa de outros consumidores online e na linha de frente. A marca deixa de ser somente emissora nesse contato com o consumidor, que passa a ser passivo e também - e muito mais - ativo.
O mundo segue em sua completa globalização, e surgem conceitos e tendências: economia circular, compartilhada, Marketing de conteúdo etc. É o momento das convergências tecnológicas e da hiperconectividade, do big data, dos wearables e da junção do Marketing convencional e do Marketing digital. Existe uma busca, um desejo e uma necessidade crescente por produtos personalizados e serviços cada vez mais pessoais. Chegou a hora de transitar para o Marketing 4.0. E, aqui, uso a definição dos próprios autores, que afirmam: "o Marketing deve se adaptar à natureza mutável dos caminhos do consumidor na economia digital. O papel dos profissionais de Marketing é guiar os clientes por sua jornada desde o estágio de assimilação até se tornarem advogados (defensores ou embaixadores) da marca”.
As marcas têm personalidade. Têm linguagem, cor, cheiro, preceitos, ideias e, sim, tomam partido em questões políticas, sociais e ecológicas. Porque, quando não o fazem, se tornam antiquadas, se transformam em ideias paradas no tempo que, mais cedo ou mais tarde, serão apenas múmias mercadológicas. E isso não foi determinado pelo Kotler, por mim nem por ninguém. Ou melhor, foi, mas enquanto consumidores. Quem detém o poder de compra sempre irá optar pela marca que, no momento decisivo, conseguiu erguer a bandeira com o argumento crucial que é diferente para cada indivíduo.
A Unilever é uma das marcas guarda chuva que mais detém submarcas no mundo, e percebeu, por exemplo, a ascensão da busca por produtos veganos e que não testam em animais. Surgiu a Beauty and Planet, e sua criação permite que a Unilever atenda um segmento específico sem ter o altíssimo custo de mudar o processo produtivo de todas as outras marcas.
Nas últimas eleições no Brasil, o Burguer King deu uma aula sobre o voto em branco através de um comercial de TV.
A cervejaria Rio Carioca veiculou peças que ironizavam apoiadores do Golpe de 64, com o título “se for para comemorar o golpe de 64, por favor, não compre Rio Carioca”. A AMBEV escolheu a Skol para ser a sua marca que se posiciona frente a questões sociais.
Ah, a empresa à qual me referi no início do texto é a T-Shirt in Box.
O fato é que um posicionamento político personifica a marca, conecta o produto ao princípio humano de ter uma posição dentro da sociedade, e as marcas, diante disso, devem atuar, comunicar e, claro, ter em vista que há a possibilidade de perder alguma receita, mas que isso não deve privá-las de acompanhar as evoluções sociais e do consumidor. Encerro minha quase dissertação com uma ferrenha certeza: não há conflito mercadológico em propor um produto ou marca politicamente posicionado. O que há é a escassez de esclarecimento para que se compreenda que uma marca que fica em cima do muro, logo logo cairá como Humpty Dumpty e dificilmente alguém conseguirá montá-la outra vez.